SOBRE ÁFRICA
UBUNTU COMO FUNDAMENTO
Alexandre do Nascimento
Ubuntu! Aprendizado de uma visita
imaginária**
Quando estive na África do Sul
visitei uma comunidade de etnia Zulu. Lá conheci pessoas, assisti a uma
apresentação de danças e pude presenciar alguns costumes, o principal deles era
o de fazer as coisas coletivas sempre da forma mais simples e em grupo, nunca
uma pessoa só, como quando, no almoço, usei as mãos para levar os alimentos à
boca, sentado no chão junto com outras pessoas em volta de um belo tecido
colorido onde foram postas as comidas. Tudo muito alegre, solidário, suave e
lindo. Já quase na hora de voltar para o hotel onde eu estava hospedado, como
havia naquela comunidade muitas crianças e elas gostavam de futebol, propus a
elas uma brincadeira para eu me despedir, uma corrida em que a criança que
chegasse em primeiro lugar ganharia uma bola como prêmio. Elas imediatamente
toparam. Então organizei as linhas de partida e a chegada. Todas as crianças se
posicionaram na linha de partida e o combinado era que quando eu desse o sinal
elas começariam a correr e direção à linha de chegada. Com tudo pronto, dei a
partida e as crianças iniciaram a corrida. Curiosamente para mim, elas correram
juntas e chegaram juntas na linha de chegada. Como achei aquilo diferente, eu
lhes perguntei porque fizeram isso, ou seja, porque saíram, correram e chegaram
juntas. Uma delas me respondeu: É Ubuntu, senhor, somos cada uma e cada um de nós
porque nos fazemos e fazemos tudo juntos. O senhor não percebeu que tudo que
fizemos hoje, fizemos juntos? Meus olhos transbordaram de emoção. Nunca uma
experiência me afetou tão fortemente. Ubuntu, ternura e constituição comum do
comum. Pretinhosidade.
Ubuntu, palavra existente nos idiomas
sul africanos zulu e xhosa que significa “humanidade para todos”, é a
denominação de uma espécie de “Filosofia do Nós”, de uma ética coletiva cujo
sentido é a conexão de pessoas com a vida, a natureza, o divino e as outras
pessoas em formas comunitárias. A preocupação com o outro, a solidariedade, a
partilha e a vida em comunidade são princípios fundamentais da ética Ubuntu.
Bas’Ilele Malomalo (2014), nos dá uma explicação:
Segundo Desmond Tutu, Prêmio Nobel da Paz e Arcebispo Sul Africano, “Ubuntu é a essência de ser uma pessoa”, “significa que somos pessoas através de outras pessoas”, “que não podemos ser plenamente humanos sozinhos”, “que somos feitos para a interdependência”. Praticar Ubuntu “é estar aberto e disponível aos outros" e “ter consciência de que faz parte de algo maior e que é tão diminuída quanto seus semelhantes que são diminuídos ou humilhados, torturados ou oprimidos” (idem). A pessoa ou instituição que pratica Ubuntu reconhece que existe porque outras pessoas existem. Reconhece, portanto, que existem formas singulares de expressão de humanidade, e que as singularidades, como tais, têm igual valor. Antonio Negri denomina de Comum a forma democrática que pode assumir a multidão, que é, segundo ele, a denominação de uma multiplicidade de singularidades. O Comum é Ubuntu, uma relação social de interdependência, que tem a igualdade como princípio material. No conceito de Comum, como na filosofia Ubuntu, a igualdade é condição. Portanto, não há constituição do Comum sem aberturas às singularidades, reconhecimento material de sua importância e potencialização de suas capacidades criativas. Uma política de constituição do Comum é a afirmação da ética Ubuntu, através da afirmação da igualdade contra o privilégio, da multiplicidade contra a uniformidade, do respeito contra o preconceito, da inclusão contra a exclusão e da criação de meios que assegurem “humanidade” para os muitos de uma coletividade e, objetivamente, acesso aos direitos definidos como “humanos”.
Penso que o desafio das lutas por
dignidade (e entre elas destaco a luta contra o racismo) é muito grande,
demanda intervenções em todos os espaços que atuamos: ruas, família, escolas,
religiões, mídia, internet, empresas, instituições estatais, partidos
políticos, movimentos sociais e outros espaços específicos, que são espaços em
que se produzem, se disseminam e se repetem valores, medos, preconceitos,
discriminações, explorações, desigualdades, tentativas de disciplinarização e
controle das singularidades.
Porém, a luta nesses espaços
específicos precisa ser uma ação político-cultural para transformá-los em
espaços comuns, ou seja, espaços em que as singularidades, como tais, possam se
expressar e se relacionar respeitosamente, num constante processo de produção
de bem estar, espaços em que todas e todos sejam expressões pensantes e
agentes, espaços de produções coletivas.
No enfrentamento desse desafio não
vislumbro outro caminho senão o da radicalização da insurgência antropofágica e
criativa contra as muralhas do poder constituído. Não sabemos previamente que
instituições criar, mas podemos dizer que precisamos devorar as atuais e
produzir o novo sem as atuais “elites vegetais” e “catequeses” (Andrade, 1990),
pois o que nos interessa tornar comum o resultado da nossa produção, aquilo que
nas relações que vivemos a elite parasitária se apropria e diz não ser direito
nosso. Nos interessa ocupar e produzir em comum para o comum, nos apropriarmos
da produção que nos é expropriada pelas dinâmicas da exploração.
Portanto, fortemente influenciado pela crença na educação como prática de liberdade (Paulo Freire, 1997), penso que parte importante da ação política é a disseminação, nas ruas, nas redes, nas escolas e nos lugares comuns, de leituras críticas, reflexões, ideias, ações culturais e expressões afetuosas baseadas em valores diferentes daqueles que hoje parecem prevalecer entre nós, que ajudem a motivar/constituir experiências de produção de subjetividades, jeitos de ser, culturas e formas de vida em comum. Não falo aqui de conscientização, ou seja, da "elevação do nível de consciência das massas". Porém, do meu ponto de vista, há nesta luta pelo comum um trabalho pedagógico a ser feito em conjunto, na relação que os encontros e as atuais possibilidades de comunicação e cooperação proporcionam. Penso que a perspectiva das escrevivências (Evaristo, 2007) dos corpos indignados com a exploração, a violação de dignidade, o racismo, a discriminação, deve ser, além da vandalismo antropófago que se afirma nas ruas, a produção de experiências do comum de amor que queremos viver e fazer prevalecer. E se aceitamos que "as lutas determinam de fato o ser, o constituem" (Negri, 2003a), penso ser importante que esse vandalismo seja mais que resistência em ato de protesto, mas também exercício criativo de re-existência em comum a partir de outras perspectivas. A Ética Ubuntu oferece uma perspectiva interessante e, do nosso ponto de vista, adequada para uma definição desse constituir-se coletivamente. Neste sentido, me parece importante, pelo ativismo político que se propõe a organizar a luta por e o trabalho na democracia, desde os pontos de vista dos que vivem apenas das suas atividades e nelas querem ser reconhecidos, a aposta e o investimento num devir Ubuntu dos espaços (a serem) tornados comuns
NASCIMENTO, Alexandre. UBUNTU COMO FUNDAMENTO. UJIMA - Revista de Estudos Culturais e Afrobrasileiros. Número XX, Ano XX, 2014. ISSN 9999-9999
Atividade
001)Faça uma redação, de no mínimo 10 linhas, sobre a importância do Ubuntu como forma de pensar a vida. Como seria se ele fosse aplicado no nosso dia a dia?